Sempre foi grande minha admiração pelo nosso poeta
mato-grossense Manoel de Barros , falecido há 12 dias .
Estava com 97 anos e , nas palavras de sua neta ,
Joana de Barros :
" Ele estava muito debilitado , muito velhinho .
Ele descansou . Ele virou passarinho ".
Seleciono trecho ,que gosto bastante, do seu
livro " Memórias Inventadas- A Infância ".
" Eu tenho um ermo enorme dentro do olho .
Por motivo do ermo não fui um menino peralta .
Agora tenho saudade do que não fui .
Acho que o que faço agora é o que não pude
fazer na infância .
Faço outro tipo de paraltagem .
Quando eu era criança devia pular muro
do vizinho para catar goiaba .
Mas não havia vizinho .
Em vez de peraltagem eu fazia solidão .
Brincava de fingir que pedra era lagarto .
Que lata era navio .
Que sabugo era um serzinho mal resolvido
e igual a um filhote de gafanhoto .
Cresci brincando no chão , entre formigas .
De uma infância livre e sem comparamentos .
Eu tinha mais comunhão com as coisas que
comparação . Porque se a gente fala a partir
de ser criança , a gente faz comunhão :
de um orvalho e sua aranha , de uma tarde
e suas garças , de um pássaro e sua árvore .
Então eu trago de minhas raízes crianceiras
a visão comungante e oblíqua das coisas .
Eu sei dizer sem pudor que o escuro me ilumina .
É um paradoxo que ajuda a poesia e eu falo
sem pudor .
Eu tenho que esta visão oblíqua vem de eu
ter sido criança em algum lugar perdido
onde havia transfusão da natureza e
comunhão com ela .
Era o menino e os bichinhos .
Era o menino e o sol .
O menino e o rio .
Era o menino e as árvores ."
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