segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011
A arte de ser feliz
" Houve um tempo em que minha janela
se abria para uma cidade que parecia
ser feita de giz.
Perto da janela havia um jardim quase seco .
Era uma época de estiagem, de terra
esfarelada ,e o jardim parecia morto .
Mas todas as manhãs vinha um pobre
com um balde , e , em silêncio , ia
atirando com a mão umas gotas de água
sobre as plantas .
Não era uma rega : era uma espécie
de aspersão ritual para que o jardim
não morresse .
E eu olhava para as plantas ,
para o homem , para as gotas de água que
caíam de seus dedos magros e meu coração
ficava completamente feliz .
Às vezes abro a janela e encontro o
jasmineiro em flor .
Outras vezes encontro nuvens espessas .
Avisto crianças que vão para a escola .
Pardais que pulam pelo muro .
Gatos que abrem e fecham os olhos ,
sonhando com os pardais .
Borboletas brancas , duas a duas ,
como refletidas no espelho do ar .
Marimbondos que sempre me parecem
personagens de Lope de Vega .
Às vezes , um galo canta .
Às vezes , um avião passa .
Tudo está certo , no seu lugar , cumprindo o
seu destino .
E eu me sinto completamente feliz.
Mas , quando falo dessas pequenas felicidades
certas , que estão diante de cada janela ,
uns dizem que essas coisas não existem ,
outros que só existem diante das minhas janelas ,
e, outros , finalmente , que é preciso aprender
a olhar , para poder vê-las assim ."
Cecília Meireles
domingo, 27 de fevereiro de 2011
Luto na Literatura
O médico e escritor gaúcho Moacyr Scliar
morreu por volta da 01 hora do dia de hoje ,
aos 73 anos,de falência múltipla dos orgãos .
Publicou mais de 70 livros . entre crônicas,
contos , ensaios , romances e literatura
infanto -juvenil .
Em 2003 ,foi eleito para a Academia Brasileira
de Letras e recebeu vários prêmios literários
como o Jabuti em 1988; 1993 e 2009 ;
Associação Paulista de Críticos de Arte , em 1989
e o Casa de las Américas em 1989 .
Transcrevo um pequeno trecho de
artigo publicado no jornal Zero Hora ,
no último dia 26 de dezembro de 2010 .
" Reinventar-se : eis aí um bom tema
para o ano que se aproxima .
Reinventar-se como profissional ,como cônjuge,
como pai ou mãe ou filho ou filha ,
reinventar-se como amigo , reinventar-se como
cidadão e cidadã , reinventar-se como pessoa .
Num mundo em que a invenção é um acontecimento
contínuo , em que as mudanças se sucedem de
maneira vertiginosa , mexer um pouco com nós
mesmos pode ser algo muito bom , um grande
começo de ano , um grande recomeço de vida ."
sábado, 26 de fevereiro de 2011
sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
Como uma libélula negra
" Era uma mulher
que apagava os espelhos .
Bastava ela chegar
e a lâmina de prata
ensombrecia
punha-se escura e verde
como um lago .
Ela se debruçava
indiferente
assoprava de leve .
Nada se percebia na superfície
nem encrespar
nem onda .
Mas no fundo do fundo
além do olhar
onde as folhas secretas apodrecem
na densa lama
a vida se mexia .
Marina Colasanti
quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011
quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011
Última página
"Mais uma vez o tempo me assusta .
Passa afobado pelo meu dia ,
atropela minha hora ,
despreza minha agenda .
Corre prepotente
a disputar lugar com a ventania .
O tempo envelhece e não se emenda .
Deveria haver algum decreto
que obrigasse o tempo a desacelerar
e a respeitar meu projeto .
Só assim eu daria conta
dos livros que vão se empilhando ,
das melodias que estão me aguardando ,
das saudades que venho sentindo ,
das verdades que eu ando mentindo ,
das promessas que venho esquecendo ,
dos impulsos que sigo contendo
dos prazeres que chegam partindo ,
dos receios que partem , voltando .
Agora , que redijo a página final ,
percebo o tanto de caminho percorrido
ao impulso da hora que vai me acelerando .
Apesar do tempo e sua pressa desleal ,
agradeço a Deus por ter vivido ,
amanhecer e continuar teimando ."
Flora Figueiredo
terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011
Citação do dia ...
domingo, 20 de fevereiro de 2011
Bem - te- vi ...
" Que terás visto ?
Há quanto tempo tu avisas , bem-te-vi ...
Bem-te-vi da minha infância , sempre a gritar
sempre a contar , fuxiqueiro ,
e não viste nada .
Meu amiguinho , preto-amarelo.
Em que ninho nasceste , de que ovinho vieste ,
e quem te ensinou a dizer : Bem-te-vi ? ...
Bem te vejo , queria eu também cantar e repetir
para ti : Bom dia , bem te vejo , te escuto .
Bem -te- vi sobrevivente
de tantos que já não voam sobre o rio ,
nem pousam nas palmas dos coqueiros altos ...
Mostra para mim , meu velho companheiro
de uma infância ultrapassada ,
tua casa , tua roça , teu celeiro , teu trabalho,
tua mesa de comer , tuas penas de trocar ,
leva-me à tua morada de amor a procriar .
Vamos ao altar de Deus agradecer ao criador
não desaparecerem de todo os Bem-te-vis
dos Reinos de Goiás .
Canta para mim , tão antiga como tu ,
as estorinhas do passado.
Bem-te-vi inzoneiro ,malicioso e vigilante .
Conta logo o que viste , fuxiqueiro do espaço ,
sempre nas folhas dos coqueiros altos ,
que também vão morrendo devagar
como morrem os coqueiros ,
comidos de velhice e de lagartas ."
Cora Coralina
sábado, 19 de fevereiro de 2011
Neruda
sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011
Citação do dia ...
" Mas nem sempre é necessário tornar-se forte .
Temos que respeitar nossas fraquezas .
Então , são lágrimas suaves , de uma tristeza
legítima à qual temos direito .
Elas correm devagar e quando passam pelos
lábios sente-se aquele gosto pouco salgado ,
produto de nossa dor mais profunda ."
Clarice Lispector
quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011
Nossa capacidade humana única
" Quer você creia em Deus quer não creia ,
quer acredite em Buda ou não ,
quer como budista acredite ou não acredite
em reencarnação , não é isto o que mais importa.
Você tem que levar uma vida boa .
E uma vida boa não consiste simplesmente
em boas comidas , belas roupas
e moradia confortável .
Isto não basta .
O que precisamos é de uma boa motivação :
dedicação libertadora sem dogmatismo ,
sem complicações filosóficas ;
simplesmente compreendendo que os outros
são nossos irmãos e irmãs , e respeitando
seus direitos , assim como a sua dignidade humana .
O fato de nós seres humanos podermos ajudar-nos
mutuamente é uma de nossas capacidades
humanas únicas.
Temos que participar do sofrimento das outras pessoas .
Mesmo que você não possa ajudá-las com dinheiro ,
mesmo assim é válido expressar participação , apoio
moral e simpatia .
Esta deveria ser a base de nosso agir .
Se chamamos isto de religião ou não ,
não é o que mais importa ."
Dalai Lama , in " Lógica do amor "
quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011
Viver é ...
terça-feira, 15 de fevereiro de 2011
Poema do dia ...
" A poesia está guardada nas palavras -
é tudo que eu sei .
Meu fado é o de não saber quase tudo .
Sobre o nada eu tenho profundidades .
Não tenho conexões com a realidade .
Poderoso para mim não é aquele que
descobre ouro .
Para mim poderoso é aquele que descobre
as insignificâncias ( do mundo e as nossas ).
Por essa pequena sentença me elogiaram
de imbecil .
Fiquei emocionado e chorei .
Sou fraco para elogios ."
Manoel de Barros
segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011
João Guimarães Rosa
(...)
" O senhor ...Mire veja : o mais importante e bonito ,
do mundo , é isto : que as pessoas não estão sempre
iguais , ainda não foram terminadas - mas que elas
vão sempre mudando .
Afinam ou desafinam . Verdade maior .
É o que a vida me ensinou .
Isso que me alegra , montão . "
in, Grande Sertão Veredas
Esta página é em homenagem ao amigo
Leonildo Zopollato , que ontem nos deixou .
Como disse Guimarães Rosa :
" A gente não morre .Fica encantado ."
domingo, 13 de fevereiro de 2011
Desejos de Drummond
" Desejo a você
Fruto do mato
Cheiro de jardim
Namoro no portão
Domingo sem chuva
Segunda sem mau humor
Sábado com seu amor
Crônica de Rubem Braga
Filme antigo na TV
Ter uma pessoa especial
E que ela goste de você
Música de Tom com letra de Chico
Frango caipira em pensão do interior
Ouvir uma palavra amável
Ter uma surpresa agradável
Noite de lua Cheia
Rever uma velha amizade
Ter fé em Deus
Rir como criança
Ouvir canto de passarinho
Sarar de resfriado
Formar um par ideal
Tomar banho de cahoeira
Pegar um bronzeado legal
Aprender uma nova canção
Esperar alguém na estação
Queijo com goiabada
Pôr-de-sol na roça
Uma festa
Um violão
Uma seresta
Recordar um amor antigo
Ter um ombro sempre amigo
Uma tarde amena
Tocar violão para alguém
Ouvir chuva no telhado
Vinho branco
Bolero de Ravel
E muito carinho meu "
Carlos Drummond de Andrade
sábado, 12 de fevereiro de 2011
Citação de hoje ...
sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011
Estrela
" Há de surgir
Uma estrela no céu
Cada vez que ocê sorrir
Há de apagar
Uma estrela no céu
Cada vez que ocê chorar
O contrário também
Bem que pode acontecer
De uma estrela brilhar
Quando a lágrima cair
Ou então
De uma estrela cadente se jogar
Só pra ver
A flor do seu sorriso se abrir
Hum !
Deus fará
Absurdos
Contanto que a vida
Seja assim
Sim
Um altar
Onde a gente celebre
Tudo que Ele consentir "
Gilberto Gil
quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011
O sabor da vida
(...)
" O sabor da vida é tranquilo , sem nada de orgiástico ,
constituído , em princípio , de pequenas coisas :
a leveza de movimentos da jovem que passa e que não
conhecemos ; visões fugazes , mas reveladoras , de
amizade e amor , ou de paisagem , ou a centelha de
entusiasmo que nos lança à conquista do futuro ...
(...)
O sabor da vida é riqueza que nenhum dinheiro compra.
Está , principalmente , na convivência cheia de calor
humano e de mútua compreensão ,
na conversa interessante,
no saber ouvir , no saber ver e degustar ,
na disposição aberta , participativa e generosa.
Por isso , o almoço ou o jantar mais caprichados
fracassam se os participantes permanecem
frios e distantes entre si ,
se estão tensos e preocupados ,
e se não circula de permeio uma boa conversação ."
Gilberto de Mello Kujawski,
in , "O Sabor da Vida "
quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011
João Cabral de Melo Neto
" O amor comeu meu nome , minha identidade ,
meu retrato . O amor comeu minha certidão
de idade , minha genealogia , meu endereço.
O amor comeu meus cartões de visita .
O amor veio e comeu todos os papéis onde eu
escrevera meu nome .
O amor comeu minhas roupas , meus lenços ,
minhas camisas . O amor comeu metros e
metros de gravatas. O amor comeu a medida
dos meus ternos , o número de meus sapatos ,
o tamanho de meus chapéus .
O amor comeu minha altura , meu peso ,
a cor de meus olhos e de meus cabelos .
O amor comeu meus remédios , minhas receitas
médicas , minhas dietas . Comeu minhas aspirinas,
minhas ondas-curtas , meus raio-X .
Comeu meus testes mentais, meus exames de urina .
O amor comeu na estante todos os meus livros de
poesia . Comeu em meus livros de prosa as citações
em verso .
Comeu no dicionário as palavras que poderiam
se juntar em versos .
Faminto , o amor devorou os utensílios de meu uso:
pente, navalha , escovas , tesouras de unhas ,
canivete . Faminto ainda , o amor devorou o uso de
meus utensílios : meus banhos frios , a ópera cantada
no banheiro , o aquecedor de água de fogo morto
mas que parecia uma usina.
O amor comeu as frutas postas sobre a mesa.
Bebeu a água dos copos e das quartinhas .
Comeu o pão de propósito escondido .
Bebeu as lágrimas dos olhos que , ninguém
o sabia , estavam cheios de água .
O amor voltou para comer os papéis onde
irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome .
O amor roeu minha infância , de dedos sujos
de tinta , cabelo caindo nos olhos , botinas
nunca engraxadas .
O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos ,
e que riscava os livros , mordia o lápis , andava
na rua chutando pedras . Roeu as conversas , junto
à bomba de gazolina do largo , com os primos que
tudo sabiam sobre passarinhos , sobre uma mulher ,
sobre marcas de automóvel .
O amor comeu meu Estado e minha cidade .
Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré .
Comeu os mangues crespos e de folhas duras ,
comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo
os morros regulares , cortados pelas barreiras
vermelhas , pelo trenzinho preto , pelas chaminés.
Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia .
Comeu até essas coisas que eu desesperava por não
saber falar delas em verso .
O amor comeu até os dias ainda não anunciados
nas folhinhas .
Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio ,
os anos que as linhas de minha mão asseguravam .
Comeu o futuro atleta , o futuro grande poeta .
Comeu as futuras viagens em volta da terra ,
as futuras estantes em volta da sala .
O amor comeu minha paz e minha guerra .
Meu dia e minha noite .
Meu inverno e meu verão .
Comeu meu silêncio , minha dor de cabeça ,
meu medo da morte."
extraído da poesia " Os Três Mal-Amados "
terça-feira, 8 de fevereiro de 2011
Na água
" eu piso no que sobrou do choro .
eu piso no que sobrou da chuva.
enfio meus pés no suor que escorreu
do meu corpo . na água que nasceu pura.
na sujeira saída do banho .
eu piso no caldo , na mistura .
é nela que me fortaleço.
na água que entra pelos vãos dos meus dedos .
na que sobe até a cintura .
é nela que me inundo . com ela que eu cresço.
como raiz que se alimenta do que está no vaso.
absorvo de volta o que transbordei .
lágrimas de amores errados . saliva caída de beijos.
suor escorrido pelas costas . medos que transpirei .
eu piso no que já foi tempestade e agora é poça.
na água que já foi benta e agora é profana .
eu piso no que foi batismo e agora é pecado .
no transparente que agora é opaco .
é na mistura que me fortaleço .
eu piso . sugo .engulo .
tomo de volta o que já foi meu .
o que veio com a chuva .
o que a corrente não levou .
o que ainda não secou .
eu me encho . me derramo .
eu piso na água pra poder mudar
com a lua .
balançar como onda .acompanhar a maré .
eu piso na água pra poder voltar para
o lugar que fui expulso . pro úmido .
silêncio escuro do útero .
eu piso na água pra renascer ."
Eduardo Baszczyn
jornalista e escritor
autor do romance " Desamores "
escreve o blog " Coisas da Gaveta"
segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011
Caio Fernando Abreu
" Meu Deus , não sou muito forte ,
não tenho muito além de uma certa fé .
Preciso agora da tua mão sobre minha cabeça .
Que eu não perca a capacidade de amar ,
ver, sentir .
Que eu continue alerta .
Que , se necessário ,
eu possa ter novamente o impulso do vôo
no momento exato .
Que eu não me perca ,
que eu não me fira ,
que não me firam,
que eu não fira ninguém .
Livra-me dos poços e dos becos de mim ,Senhor.
Que meus olhos saibam continuar se
alargando sempre ."
in, " Ovelhas Negras "
domingo, 6 de fevereiro de 2011
Penso e passo
sábado, 5 de fevereiro de 2011
Mais Caetano ...
OS ARGONAUTAS
" O Barco !
Meu coração não aguenta
Tanta tormenta , alegria
Meu coração não contenta
O dia, o marco , meu coração
O porto , não ! ...
Navegar é preciso
Viver não é preciso ...
O Barco !
Noite no teu , tão bonito
Sorriso solto perdido
Horizonte , madrugada
O porto , nada ! ...
Navegar é preciso
Viver não é preciso ! ...
O Barco !
O automóvel brilhante
O trilho solto , o barulho
Do meu dente em tua veia
O sangue , o charco ,barulho lento
O porto , o silêncio ! ...
Navegar é preciso
Viver não é preciso ... "
Caetano Veloso
sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011
Música de hoje
quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011
O Vento
quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011
Soneto de Fidelidade
" De tudo , ao meu amor serei atento
Antes , e com tal zelo , e sempre , e tanto
Que mesmo em face do maior encanto
Dele se encante mais meu pensamento
Quero vivê-lo em cada vão momento
E em seu louvor hei de espalhar meu canto
E rir meu riso e derramar meu pranto
Ao seu pesar ou seu contentamento
E assim quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte , angústia de quem vive
Quem sabe a solidão , fim de quem ama
Eu possa lhe dizer do amor ( que tive ):
Que não seja imortal , posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure ."
Vinicius de Moraes
terça-feira, 1 de fevereiro de 2011
O Vestido
" No armário do meu quarto escondo de
tempo e traça meu vestido estampado em
fundo preto .
É de seda macia desenhada em campânulas
vermelhas à ponta de longas hastes delicadas .
Eu o quis com paixão e o vesti como um rito ,
meu vestido de amante .
Ficou meu cheiro nele , meu sonho , meu corpo ido .
É só tocá-lo , volatiza-se a memória guardada :
eu estou no cinema e deixo que segurem minha mão .
De tempo e traça meu vestido me guarda ."
Adélia Prado
Assinar:
Postagens (Atom)