quarta-feira, 30 de junho de 2010

Vinicius de Moraes : O Haver


" Resta , acima de tudo , essa capacidade de ternura
Essa intimidade perfeita com o silêncio
Resta esta voz íntima pedindo perdão por tudo
- Perdoai ! eles não tem culpa de ter nascido...


Resta esse antigo respeito pela noite , esse falar baixo
Essa mão que tateia antes de ter , esse medo
De ferir tocando , essa forte mão de homem
Cheia de mansidão para com tudo que existe .


Resta essa imobilidade , essa economia de gestos
Essa inércia cada vez maior diante do infinito
Essa gagueira infantil de quem quer balbuciar o inexprimível
Essa irredutível recusa à poesia não vivida .

Resta essa comunhão com os sons , esse sentimento
De matéria em repouso , essa angústia da simultaneidade
Do tempo , essa lenta decomposição poética
Em busca de uma só vida , uma só morte , um só Vinicius .

Resta esse coração queimando como um círio
Numa catedral em ruínas , essa tristeza
Diante do cotidiano , ou essa súbita alegria
Ao ouvir na madrugada passos que se perdem sem memória ...

Resta essa vontade de chorar diante da beleza
Essa cólera cega em face da injustiça e do mal-entendido
Essa imensa piedade de si mesmo , essa imensa
Piedade de sua inútil poesia e de sua força inútil .

Resta esse sentimento da infância subitamente desentranhado
De pequenos absurdos , essa tola capacidade
De rir à toa , esse ridículo desejo de ser útil
E essa coragem de comprometer-se sem necessidade .

Resta essa distração , essa disponibilidade , essa vagueza
De quem sabe que tudo já foi como será e virá a ser
E ao mesmo tempo esse desejo de servir , essa
Contemporaneidade com o amanhã dos que não tem ontem nem hoje .

Resta essa faculdade incoercível de sonhar
De transfigurar a realidade , dentro dessa incapacidade
De aceitá-la tal como é , e essa visão
Ampla dos acontecimentos , e essa impressionante

E desnecessária presciência , e essa memória anterior
De mundos inexistentes , e esse heroismo
Estático , e essa pequenina luz indecifrável
A que às vezes os poetas dão o nome de esperança .

Resta essa obstinação em não fugir do labirinto
Na busca desesperada de uma porta quem sabe inexistente
E essa coragem indizível diante do Grande Medo
E ao mesmo tempo esse terrível medo de renascer dentro da treva .

Resta esse desejo de sentir-se igual a todos
De refletir-se em olhares sem curiosidade e sem história
Resta essa pobreza instrínseca , esse orgulho , essa vaidade
De não querer ser princípe senão do seu reino .

Resta essa fidelidade à mulher e ao seu tormento
Esse abandono sem remissão à sua voragem insaciável
Resta esse eterno morrer na cruz de seus braços
E esse eterno ressuscitar para ser recrucificado .

Resta esse diálogo cotidiano com a morte , esse fascínio
Pelo momento a vir , quando , emocionada
Ela virá me abrir a porta como uma velha amante
Sem saber que é a minha mais nova namorada ."


Poesia declamada pelo autor no disco
" Vinicius de Moraes - Antologia Poética ".

terça-feira, 29 de junho de 2010

Flora Figueiredo : Força




" Desmancha o nó ,

tira a ferrugem ,

espana o pó .

Empurra o pesado ,

cola o quebrado ,

abre o dobrado ,

cerze o rompido ,

coça a coceira ,

gruda o trincado ,

pensa o ardido

e faz brincadeira do verso chorado ;

que a vida é rendeira

de sedas ou trapos ,

de rendas , farrapos

ou fios de algodão ;

que a fibra é comprida e o mundo artesão ."



in , " Florescência "

segunda-feira, 28 de junho de 2010

António Gedeão : Aurora Boreal




" Tenho quarenta janelas


nas paredes do meu quarto .


Sem vidros nem bambinelas


posso ver através delas


o mundo em que me reparto .


Por uma entra a luz do Sol ,


por outra a luz do luar ,


por outra a luz das estrelas


que andam no céu a rolar .


Por esta entra a Via Láctea


como um vapor de algodão ,


por aquela a luz dos homens ,


pela outra a escuridão .


Pela maior entra o espanto ,


pela menor a certeza ,


pela da frente a beleza


que inunda de canto a canto .


Pela quadrada entra a esperança


de quatro lados iguais ,


quatro arestas , quatro vértices ,


quatro pontos cardeais .


Pela redonda entra o sonho ,


que as vigias são redondas


e o sonho afaga e embala


à semelhança das ondas .


Por além entra a tristeza ,


por aquela entra a saudade


e o desejo , e a humildade ,


e o silêncio , e a surpresa ,


e o amor dos homens , e o tédio ,


e o medo , e a melancolia ,


e essa fonte sem remédio


a que se chama poesia ,


e a inocência , e a bondade ,


e a dor própria , e a dor alheia ,


e a paixão que se incendeia ,


e a viuvez e a piedade ,


e o grande pássaro branco ,


e o grande pássaro negro


que se olham obliquamente ,


arrepiados de medo ,


todos os risos e choros ,


todas as fomes e sedes ,


tudo alonga a sua sombra


nas minhas quatro paredes .





Oh janelas do meu quarto ,


quem vos pudesse rasgar !


Com tanta janela aberta


falta-me a luz e o ar ."







in , " Teatro do Mundo " , 1958


domingo, 27 de junho de 2010

Clarice Lispector entrevista Hélio Pellegrino



" Escolhi Hélio Pellegrino para um diálogo perfeitamente
possível , sobretudo porque eu o considero um dos
seres humanos mais completos que conheço .
Qual é o traço marcante de Hélio ?
A tolerância , digamos , e um amor que ele distribui
quase sem sentir , amor no sentido de amizade ."


- Hélio . é bom viver , não é ?
É , pelo menos , a impressão de que você me dá .



- Viver - essa difícil alegria .
Viver é jogo , é risco .
Quem joga pode ganhar ou perder .
O começo da sabedoria consiste em aceitarmos que
perder também faz parte do jogo .
Quando isso acontece , ganhamos alguma coisa de
extremamente precioso : ganhamos nossa possibilidade
de ganhar .
Se sei perder , sei ganhar .
Se não sei perder , não ganho nada , e terei sempre
as mãos vazias .
Quem não sabe perder , acumula ferrugem nos olhos
e se torna cego - cego de rancor .
Quando a gente chega a aceitar , com verdadeira e
profunda humildade , as regras do jogo existencial ,
viver se torna mais do que bom - se torna fascinante .
Viver bem é consumir-se , é queimar os carvões do
tempo que nos constitui .
Somos feitos de tempo , e isso significa :
somos passagem , movimento sem trégua , finitude .
A quota de eternidade que nos cabe está encravada no
tempo . É preciso garimpá-la , com incessante coragem ,
para que o gosto do seu ouro possa fulgir em nosso lábio .
Se assim acontece , somos alegres e bons , e a nossa
vida tem sentido .


in , " De corpo inteiro "

Hélio Pellegrino : La vida es sueño



" A pedra
a pedra como o fogo
com suas resinas e ramas
a pedra como o fogo
é um sonho
de pálpebras abertas .


O sonho é quando
no veludo íntimo da noite
fogo e pedra se sonham :
- as pálpebras cerradas ."



Hélio Pellegrino nasceu em Belo Horizonte ,

aos 05 de janeiro de 1924 e morreu no

Rio de Janeiro , em 23 de março de 1988 .

Foi psicanalista , escritor e poeta brasileiro ,

célebre por sua militância de esquerda e

por sua amizade com os também escritores

Fernando Sabino , Paulo Mendes Campos ,

e Otto Lara Rezende .

Formou-se , assim , o grupo que ficou conhecido

como " Os 4 mineiros " .


sábado, 26 de junho de 2010

Marina Colassanti


Preciso , para

" Preciso que um barco atravesse o mar
lá longe
para sair dessa cadeira
para esquecer esse computador
e ter
olhos de sal
boca de peixe
e o vento frio batendo nas escamas .

Preciso que uma proa atravesse a carne
cá dentro
para andar sobre as águas
deitar nas ilhas e
olhar de longe esse prédio
essa sala
essa mulher sentada diante do computador
que bebe a branca luz eletrônica
e pensa no mar. "



Affonso Romano de Sant'Anna


ASSOMBROS

" Às vezes , pequenos grandes terremotos

ocorrem do lado esquerdo do meu peito .

Fora , não se dão conta os desatentos .


Entre a aorta e a omoplata

alquebrados sentimentos .


Entre as vértebras e as costelas

há vários esmagamentos .


Os mais íntimos

já me viram remexendo escombros .

Em mim há algo imóvel e soterrado

em permanente assombro ."

sexta-feira, 25 de junho de 2010

A DESPEDIDEIRA : MIA COUTO


Trecho do conto

" ( ...) Há muito tempo , me casei , também eu .

Dispensei uma vida com esse alguém .

Até que ele foi . Quando me deixou , já não

deixou a mim . Que eu já era outra , habilitada

a ser ninguém . Às vezes , contudo , ainda me

adoece uma saudade desse homem . Lembro o

tempo em que me encantei , tudo era um princípio .

Eu era nova , dezanovinha .

Quando ele me dirigiu palavra , nesse primeiríssimo

dia , dei conta de que , até então , eu nunca tinha

falado com ninguém . O que havia feito era comerciar

palavra , em negoceio de sentimento . Falar é outra

coisa , é essa ponte sagrada em que ficamos pendentes ,

suspensos sobre o abismo . Falar é outra coisa , vos digo .

Dessa vez , com esse homem , na palavra eu me divinizei .

Como perfume em que perdesse minha própria aparência .

Me solvia na fala insubstanciada .

Lembro desse encontro , dessa primogénita primeira vez .

Como se aquele momento fosse , afinal , toda minha vida .

Aconteceu aqui , neste mesmo pátio em que agora o espero .

(.....)

Nesse mesmo pátio em que se estreava meu coração tudo

iria , afinal acabar . Porque ele anunciou tudo nesse poente .

Que a paixão dele desbrilhara .

( ...)

Pedi-lhe que viesse uma vez mais . Para que , de novo ,

se despeça de mim . E passados os anos , tantos que já

nem cabem na lembrança , eu ainda choro como se fosse

a primeira despedida . Porque esse adeus , só esse aceno

é meu , todo inteiramente meu .

Um adeus à medida de meu amor .

Assim , ele virá para renovar despedidas . Quando a lágrima

escorrer no meu rosto eu a sorverei , como quem bebe o tempo .

Essa água é , agora , meu único alimento . Meu último alento .

Por isso , refaço a despedida .

Seja esse o modo de o meu amor se fazer eternamente nosso ."


in , " O Fio das Missangas "

MIA COUTO



" A missanga , todas a vêem .

Ninguém nota o fio que , um colar vistoso ,

vai compondo as missangas .

Também assim é a voz do poeta :

um fio de silêncio costurando o tempo ."


in , " O Fio das Missangas "


António Emílio Leite Couto , mais conhecido

por Mia Couto , biólogo e escritor de

profissão , nasceu em Moçambique aos

05 de julho de 1955 , na cidade da Beira , e

é considerado um dos nomes mais importantes

da nova geração de escritores africanos de língua

portuguesa .


IDENTIDADE

Preciso ser um outro

para ser eu mesmo


Sou grão de rocha

Sou o vento que a desgasta


Sou pólen sem inseto

Sou areia sustentando

o sexo das árvores


Existo onde me desconheço

aguardando pelo meu passado

ansiando a esperança do futuro


No mundo que combato morro

no mundo por que luto nasço ."


in , " Raiz de Orvalho "

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Menotti Del Picchia : O VÔO


" Goza a euforia do vôo do anjo perdido em ti .

Não indagues se nestas estradas , tempo e

vento desabam no abismo .

Que sabes tu do fim ?

Se temes que teu mistério seja uma noite , enche-0

de estrelas .

Conserva a ilusão de que teu vôo te leva sempre

para o mais alto .

No deslumbramento da ascensão se pressentires que

amanhã estarás mudo , esgota como um pássaro as

canções que tens na garganta .

Canta .
Canta para conservar a ilusão de festa e de vitória .

Talvez as canções adormeçam as feras que esperam

devorar o pássaro .

Desde que nasceste não és mais que um vôo no tempo .

Rumo ao céu ?

Que importa a rota ?

Voa e canta enquanto lhe resistirem as asas ."

quarta-feira, 23 de junho de 2010

Cora Coralina : Todas as vidas




" Vive dentro de mim
uma cabocla velha
de mau olhado ,
acocorada ao pé do borralho ,
olhando para o fogo .
Benze quebranto .
Bota feitiço ...
Ogum . Orixá .
Macumba , terreiro .
Ogã , pai-de-santo ...

Vive dentro de mim
a lavadeira do Rio Vermelho .
Seu cheiro gostoso
d'água e sabão .
Rodilha de pano .
Trouxa de roupa ,
pedra de anil .
Sua coroa verde de são-caetano .

Vive dentro de mim
a mulher cozinheira .
Pimenta e cebola .
Quitute bem feito .
Panela de barro .
Taipa de lenha .
Cozinha antiga
toda pretinha
Bem cacheada de picumã .
Pedra pontuda .
Cumbuco de coco .
Pisando alho-sal .

Vive dentro de mim
a mulher do povo .
Bem proletária .
Bem linguaruda ,
desabusada , sem preconceitos ,
de casca grossa ,
de chinelinha ,
e filharada .

Vive dentro de mim
a mulher roçeira .
- Enxerto da terra ,
meio casmurra .
Trabalhadeira .
Madrugadeira .
Anafabeta .
De pé no chão .
Bem parideira .
Bem criadeira .
Seus doze filhos .
Seus vinte netos .

Vive dentro de mim
a mulher da vida .
Minha irmãzinha ...
tão desprezada ,
tão murmurada ...
Fingindo alegre seu triste fado .


Todas as vidas dentro de mim :
Na minha vida -
A vida mera das obscuras ."



in , " Poemas dos becos de Goiás e estórias mais ."


terça-feira, 22 de junho de 2010

Traduzir-se



" Uma parte de mim

é todo mundo :

outra parte é ninguém :

fundo sem fundo .



Uma parte de mim

é multidão :

outra parte estranheza

e solidão .


Uma parte de mim

pesa , pondera :

outra parte

delira .



Uma parte de mim

almoça e janta :

outra parte

se espanta .


Uma parte de mim

é permanente :

outra parte

se sabe de repente .


Uma parte de mim

é só vertigem :

outra parte ,

linguagem .



Traduzir uma parte

na outra parte que é

uma questão


de vida ou morte

será arte ?"




Ferreira Gullar






segunda-feira, 21 de junho de 2010

Cada vez mais sós


Junho 11, 2010, por Fundação José Saramago



" Acho que todos nós devemos repensar o

que andamos aqui a fazer .

Bom é que nos divertamos , que vamos à

praia , à festa , ao futebol , esta vida são

dois dias , quem vier atrás que feche a porta

mas se não nos decidirmos a

olhar o mundo gravemente , com olhos

severos e avaliadores , o mais certo é

termos apenas um dia para viver ,

o mais certo é deixarmos a porta aberta para um

vazio infinito de morte , escuridão e malogro ."


José Saramago

in , " Deste mundo e do Outro "

Última mensagem no blog de Saramago


A última mensagem deixada no blog de José Saramago ,

no dia 18 próximo passado , que nos últimos tempos

vinha sendo atualizado tanto pelo escritor quanto

pela equipe da Fundação José Saramago , criada e

mantida por sua esposa Pilar para preservar o legado

do autor, assim está posta :

" Acho que na sociedade actual nos falta filosofia .

Filosofia como espaço , lugar , método de reflexão ,

que não pode ter um objectivo determinado , como

a ciência , que avança para satisfazer objectivos .

Falta-nos reflexão , pensar , precisamos do trabalho

de pensar , e parece-me que , sem idéias , não

vamos a parte nehuma ."


Na ilha por vezes habitada


" Na ilha por vezes habitada do que somos , há noites ,

manhãs e madrugadas em que não precisamos de

morrer .

Então sabemos tudo do que foi e será .

O mundo aparece explicado definitivamente e entra

em nós uma grande serenidade , e dizem-se as

palavras que a significam .

Levantamos um punhado de terra e apertamo-la

nas mãos .

Com doçura .

Aí se contém toda a verdade suportável : o contorno ,

a vontade e os limites .

Podemos então dizer que somos livres , com a paz e

o sorriso de quem se reconhece e viajou à roda do

mundo infatigável , porque mordeu a alma até aos

ossos dela .

Libertemos devagar a terra onde acontecem milagres

como a água , a pedra e a raiz .

Cada um de nós é por enquanto a vida .

Isso nos baste ."


José Saramago

sábado, 19 de junho de 2010

JOSÉ SARAMAGO


" O corpo também é um sistema

organizado , e a morte não é mais

do que o efeito de uma desorganização ." 1995


Único escritor de língua portuguesa a ser premiado

com o Nobel de Literatura , em 1998 , José Saramago

que nasceu aos 16 de novembro de 1922 ,

na aldeia Azinhaga , província de Ribatejo , em Portugal ,

morreu na manhã de ontem , na ilha espanhola Lanzarote ,

para onde havia se mudado no início dos anos 1990 .




quarta-feira, 16 de junho de 2010

FERNANDO SABINO




" De tudo ficaram três coisas :


a certeza de que estamos sempre começando ,


a certeza de que é preciso continuar ,


a certeza de que seremos interrompidos antes de terminar .


Portanto devemos :


fazer da interrupção um caminho novo ,


da queda um passo novo de dança ,


do medo uma escada ,


do sonho uma ponte e ,


da procura um encontro ".




in , " Encontro Marcado "

MARIO QUINTANA



OS POEMAS


" Os poemas são pássaros que chegam

não se sabe de onde e pousam

no livro que lês .

Quando fechas o livro , eles alçam vôo

como um alçapão .

Eles não tem pouso

nem porto ;

alimentam-se um instante em cada

par de mãos e partem .

E olhas , então , essas tuas mãos vazias ,

no maravilhado espanto de saberes

que o alimento deles já estava em ti ..."


in , " Esconderijos do Tempo "

CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE HAICAIS


Os primeiros haicais de
Carlos Drummond de Andrade ( 1902 -1987 ) foram
publicados no número 341 da revista PARA TODOS
de 17 de junho de 1925 .
Em ALGUMA POESIA (1930) , obra de estréia do poeta,
há um haicai .
Ele retorna ao poema , em CORPO (1984) com dois haicais.
Em 1985 , o poeta publica vinte novos poemetos em
AMAR SE APRENDE AMANDO .
Em 1987 , os últimos haicais de Drummond são coligidos na
obra póstuma FAREWELL .

ALGUNS HAICAIS

" Não tenho dinheiro no banco ,

porém ,

meu jardim está cheio de rosas ."

" Num automóvel aberto

riem mascarados .

Só minha tristeza não se diverte ."



" O pintor ao meu lado

reclama :

Quando serei falsificado ?"

terça-feira, 15 de junho de 2010

HAICAIS - MILLÔR FERNANDES


Millôr Fernandes nasceu no Rio de Janeiro aos 16 de
agosto de 1923 .
É um desenhista , humorista , dramaturgo , escritor
e tradutor brasileiro .
O haicai surgiu em sua vida em 1956 , época que
escrevia e ilustrava uma página semanal na revista
O Cruzeiro .
Num lance fortuito , ele passou a criar e publicar
haicais , acompanhados por refinadas ilustrações.

ALGUNS HAICAIS

Prova

" Olha ,

Entre um pingo e o outro

A chuva não molha ."

POEMEU GLORIOSO

" De mim só uma coisa vai ficar :

O busto que eu mesmo fizer

Na tumba que eu mesmo cavar ."

POEMINHA À GLÓRIA TELEVISIVA

" Não me contem !

Ele era famoso

Antes de ontem ! "

segunda-feira, 14 de junho de 2010

HAICAIS - OLGA SAVARY


Olga Savary , nasceu em Belém , aos 23 de maio de 1933.
É poeta , como gosta de ser chamada , contista , romancista,
crítica , tradutora e ensaísta .
Nos anos 1980 , já consagrada em seu ofício , recebeu
o reconhecimento de público e crítica por seus haicais , aos
quais se dedicava desde 1940 .

ALGUNS HAICAIS

PAZ

Assim tão exata

sem se assemelhar a nada

sendo vária e vaga .

IDADE DE PEDRA

Querer quero agora

ritmo do existir da pedra

na paz das cavernas .

O POETA E O AVIADOR

Céu de brigadeiro:

apenas e sempre asas

entre os dois céus .

HAICAIS - ALICE RUIZ



Alice Ruiz nasceu aos 22 de janeiro de 1946,em Curitiba .

Poeta , compositora , tradutora e publicitária , publica em

1962 seus primeiros poemas em jornais e revistas culturais .

Aos 22 anos casou com Paulo Leminski , e pela primeira

vez mostrou a alguém o que escrevia . Surpreso Leminski

comentou que ela escrevia haicais , termo que até então

Alice não conhecia . Mas encantou-se com a forma poética

japonesa e passou a estudar com profundidade o haicai e

seus poetas , tendo traduzido quatro livros de autores e

autoras japonesas , nos anos 1980 .

O haicai de Alice chegará ao grande público com os livros

Pelos pelos ( 1984) e Vice-versos ( 1988 ).

A partir da década de 1990 , a poeta promoverá mais de uma

centena de oficinas sobre o caminho do haicai , difundindo o

poema e suas regras de composição para milhares de aprendizes .



ALGUNS HAICAIS :


" luzes acesas


vozes amigas


chove melhor ."



" primavera

até a cadeira

olha pela janela ."


" sem saudade de você


sem saudade de mim


o passado passou enfim ."

HAICAIS - PAULO LEMINSKI



Paulo Leminski Filho , nasceu aos 24 de agosto de 1944 ,
em Curitiba e morreu na mesma cidade , no dia 07 de junho de 1989 .

Desde muito cedo , Leminski inventou um jeito

próprio de escrever poesia , preferindo poemas breves ,

muitas vezes fazendo haicais , trocadilhos , ou brincando

com ditados populares .

Foi vizinho de Helena Kolody por três anos , no edifício

São Bernardo , em Curitiba .
Ela ficou feliz quando em 1965 , PauloLeminski
elogiou seus haicais.

Seu biográfo , Vaz , assim se referiu a este fato :

" Foi também nesta época que conheceu pessoalmente

a poeta Helena Kolody , uma filha de ucranianos

bem mais velha , que morava no andar de cima ,

e desde os 40 fazia poesias em forma de haicais . "

O poeta Paulo Leminski tem importância central na

consolidação e prática do haicai na literatura brasileira .


Alguns deles :


" Duas folhas na sandália

O outono

também quer andar ."



" cortinas de seda

o vento entra

sem pedir licença . "



" essa estrada vai longe

mas se for

vai fazer muita falta ."

HAICAIS- HELENA KOLODY



Helena Kolody , (1912-2004) , a consagrada poeta do

Paraná , inaugurou em 1941 a série de mulheres

haicaístas do país .

Aos 29 nove anos de idade , publicava seu primeiro

livro " Paisagem Interior " , com 45 poemas .

Entre os quais , três eram haicais e , no meio destes

o mais popular da autora :


Arco-irís


"Arco-irís no céu .

Está sorrindo o menino

Que há pouco chorou . "


Os outros dois :


Prisão


"Puseste a gaiola


Suspensa de um ramo em flor ,


Num dia de sol ."



Felicidade


"Os olhos do amado


Esqueceram-se nos teus ,


Perdidos em sonho ."







Em 1993 , a comunidade nipo-brasileira

de Curitiba fez-lhe uma homenagem ,

concedendo-lhe o nome haicaísta Reika ,

" em reconhecimento à dedicação ,

divulgação e grandiosidade que deu

à poesia de origem japonesa , haicai ."

HAICAI


Poema de origem japonesa composto de três versos
de 5 , 7 e 5 sílabas poéticas , que busca estabelecer
vínculos concisos e surpreendentes entre a natureza
e o espírito humano , e que teve em Matsuó Bashô
( 1648-1694 ) , Bussôn ( 1716-1784 ) e Kobayashi
Issa ( 1763-1827) seus três maiores artistas ,
responsáveis também pela codificação definitiva do gênero .
O haicai deve oferecer um momento de reflexão , de
forma que cause no leitor , uma sensação de descoberta .
Este momento está para o haicai , assim como o satori
está para o zen e o nirvana está para o budismo .

in , " BOA COMPANHIA HAICAIS "
Rodolfo Witizig Guttilla

domingo, 13 de junho de 2010

122º aniversário de Fernando Pessoa





Há 122 anos , no dia 13 de junho de 1888 ,

nascia em Lisboa , Fernando Antonio Nogueira Pessoa ,

filho de Maria Magdalena Pinheiros Nogueira , e

Joaquim de Seabra Pessoa .

Aos cinco anos perde o pai , vítima de tuberculose

pulmonar e no ano seguinte seu único irmão , Jorge .

A mãe casa-se pela segunda vez em 1895 , por

procuração , com o comandante João Miguel Rosa ,

cônsul de Portugal em Durban .

Em 1896 parte com sua mãe e um tio avô para Durban ,

na África do Sul , local onde a seleção brasileira de

futebol fará seu 3º jogo na Copa de 2010 , no próximo dia

25 de junho , frente a seleção portuguesa .

Em Durban , o poeta viverá dos 07 aos 17 anos e este

será um período decisivo para sua formação .

Escreveria mais tarde :

" ( ...) Decorreu tranquila a minha

infância e boa foi minha educação .

Mas desde que tive consciência de mim mesmo ,

percebi em mim uma inata tendência à mistificação ,

à mentira artística .

Acrescente-se a isso um grande amor espiritual ,

pelo misterioso , pelo obscuro que , afinal de contas ,

era apenas uma forma e variação daquela minha outra

característica , e a minha personalidade estará

completa para a intuição .

Tive sempre , desde criança , a necessidade

de aumentar o mundo com personalidades fictícias ,

sonhos meus rigorosamente construídos , visionados

com clareza fotográfica , compreendidos por dentro

das suas almas ( ...)

esta tendência não passou com a infância ,

desenvolveu-se na adolescência , radicou-se com o

crescimento dela , tornou-se finalmente a forma natural

do meu espírito .

Hoje já não tenho personalidade : quanto em mim

haja de humano , eu o dividi entre os autores vários

de cuja obra tenho sido o executor .

Sou hoje o ponto de reunião de uma pequena

humanidade só minha .

Trata-se , contudo , simplesmente do temperamento

dramático elevado ao máximo ;

escrevendo , em vez de dramas

em atos e ação , dramas em almas ."

sábado, 12 de junho de 2010

ALÉM DA TERRA , ALÉM DO CÉU




" Além da terra , além do céu

no trampolim do

sem-fim das estrelas ,

no rastro dos astros ,

na magnólia das nebulosas .

Além , muito além do sistema solar

até onde alcançam o pensamento e o

coração,vamos !

vamos conjugar o verbo

fundamental essencial ,

o verbo transcendente ,

acima das gramáticas

e do medo e da moeda e da política ,

o verbo sempreamar ,

o verbo pluriamar ,

razão de ser e de viver ."




Carlos Drummond de Andrade

segunda-feira, 7 de junho de 2010

VINICIUS DE MORAES E MEU SIGNO...



( AQUÁRIO - de 21 de janeiro a 19 de fevereiro )


" Se o que se quer é a boa esposa
A aquariana pousa .

Se o que se quer é uma outra coisa
A aquariana ousa .


Se o que se quer é muito amor

A aquariana é mulher macho sim senhor .


Porém não são possessivas
Nem procuram dominar
Ou são meigas e passivas
Ou botam para quebrar."



in , " A mulher e o signo ."

PABLO NERUDA




" Talvez não ser é ser sem que tu sejas ,

sem que vás cortando o meio-dia

como uma flor azul , sem que caminhes

mais tarde pela névoa e os ladrilhos ,




sem essa luz que levas na mão

que talvez outros não verão dourada ,

que talvez ninguém soube que crescia

como a origem rubra da rosa ,



sem que sejas , enfim , sem que viesses

brusca , incitante , conhecer minha vida ,
aragem de roseira , trigo do vento ,


e desde então sou porque tu és ,

e desde então és , sou e somos

e por amor serei , serás , seremos ."




in , (LXIX) , CEM SONETOS DE AMOR

sexta-feira, 4 de junho de 2010

FERNANDA E GUILHERME


Há um ano minha filha , Fernanda ,
casava-se com o Guilherme .
Os dois prometeram que seriam felizes juntos .
Todos torcemos para que a promessa se cumpra , sempre .
Hoje comemoram Bodas de Papel .
Parabéns !!!

quinta-feira, 3 de junho de 2010

JOSÉ ORTEGA Y GASSET




Tive contato com Ortega y Gasset ,

durante a faculdade ,

estudando filosofia do direito .

A chave da filosofia orteguiana ,

baseia-se no famoso enunciado:

" Eu sou eu e minha circunstância ,

e se não a salvo não me salvo eu ."

Anos mais tarde , já fazendo o mestrado ,

nas aulas de direito constitucional ,

a cargo da professora doutora Maria Garcia ,

entusiasta da obra do filósofo ,discutiu-se ,

várias vezes , a fórmula empregada por ele ,

para que fosse entendida em sua plenitude .

Compreendi e creio , sim , na afirmação do filósofo :

" Eu sou eu e minha circunstância ,e se não a salvo

não me salvo eu ."

Minha circunstância faz parte de mim ,

necessito dela para ser eu .

A circunstância me é imposta :

eu vivo aqui e agora ,sem ter escolhido

nem o meu tempo , nem o meu país .

Viver é o que eu faço e o que me acontece .

E o que me acontece é estar aqui e agora às voltas

com uma circunstância com a qual tenho que fazer

algo para viver .

Porque minha vida me é dada ,mas não me é dada feita ,

tenho eu mesma que preenchê-la com meu esforço ,

fazendo uso da minha liberdade .

A circunstância não aponta numa só direção ,

mas em múltiplas , sendo uma delas a que devo seguir .

Assim , decido a cada instante o que vou fazer ,

sou forçada a avaliar cada uma das possibilidades

abertas pela circunstância à minha frente ,

para verificar a possibilidade que me convém .

Portanto , para salvar a circunstância

é preciso compreendê-la ,pois o homem só assume

a plenitude de sua capacidade quando adquire toda

a consciência de sua circunstância .

A circunstância de Ortega era a Espanha .

Sua vida foi toda de serviço pela salvação da

Espanha , o que lhe permitiu realizar-se como ele mesmo ,

Ortega y Gasset , na máxima atualização de sua vocação .

quarta-feira, 2 de junho de 2010

HERÁCLITO DE ÉFESO



Marilena Chauí também nos deu a conhecer
o pré-sócratico Heráclito de Éfeso , que durante
os últimos vinte e cinco séculos não cessou de ser lido ,
comentado e interpretado das mais variadas maneiras .

" Nos mesmos rios entramos e não entramos ,
somos e não somos " ,
também traduzido como :
" Não podemos entrar duas vezes no mesmo rio ,
porque suas águas não são as mesmas e nós
 não somos os mesmos ."

A idéia mestra de Heráclito é que o mundo é um fluxo
ou mudança permanente de todas as coisas .
Um devir eterno .
Nos dias atuais o cantor Lulu Santos , na música ,
" Como uma onda " , repete :
" Nada do que foi será
De novo do jeito que já foi um dia ,
Tudo passa
Tudo sempre passará .
A vida vem em ondas
Como um mar
Num indo e vindo infinito .

Tudo que se vê não é
Igual ao que a gente
Viu há um segundo
Tudo muda o tempo todo
No mundo . "

Viva a filosofia !

SÓCRATES


Fui apresentada a Sócrates , aos 16 anos ,
pela Marilena Chauí , minha professora de
filosofia , na época .
Ela nos ensinava que Sócrates dedicou-se
à filosofia depois de ter ido ao templo de
Apolo Delfo e ter ouvido uma voz interior
( que ele chamava de daímon) , que o fez compreender
que o oráculo inscrito na porta do templo :
" Conhece-te a ti mesmo " , era a sua missão .
Ela também nos explicava que a expressão
" Sei que nada sei " , ninguém podia duvidar
ser de Socrates .
Confesso que , não entendia , exatamente , as
duas expressões .
Hoje , depois de décadas , muitas vezes me surpreendo
perplexa com os acontecimentos e com as pessoas ,
e penso :
" Nossa .... como eu não sei nada ...
Quanto mais o tempo passa mais tento me conhecer ... "